Outra entrevista com Shinji Mikami, realizada em Setembro de 1996. Esta é sobre Resident Evil (RE1) e Resident Evil 2 (versão 1.5), apesar de falar mais sobre a criação de RE1. Divertido de ler para fãs antigos de Biohazard que se lembram do jogo original.
Primeira pergunta, Bio Hazard tem um ar diferente da maioria dos jogos da Capcom, você pode nos contar como o jogo surgiu?
Foi realmente um procedimento decidido por poucos. A companhia me disse para fazer um jogo de terror, algo assustador que as pessoas curtiriam jogar. Fizemos um jogo de terror para o Famicom 8-bit, chamado Sweet Home, que foi licenciado de um filme. A companhia queria criar algo semelhante a ele. Foi a única instrução que recebemos da companhia, então pudemos criar este jogo mais livremente do que o normal.
Quando me sentei para planejar este jogo, eu estava sozinho. Passei uns seis meses planejando e estruturando o jogo, e então contratei mais dez membros de equipe para começar a trabalhar nele. Tivemos que passar um longo tempo apenas testando várias coisas, porque naquela época não havia a tecnologia CG, e nós estávamos fazendo um jogo original do zero.
Então, basicamente, nós passamos um ano inteiro planejando e pesquisando. Quando chegou a hora de realmente começar a desenvolver o jogo, nós adicionamos mais 20 ou 30 membros à equipe, e perto do fim nós tínhamos umas 50 pessoas trabalhando no projeto. Tínhamos 18 pessoas só no departamento de programação. Nós podíamos ter feito duas equipes diferentes com a nossa (risos). O jogo levou um total de dois anos e três meses.
Então Biohazard é uma sequência de Sweet Home?
Não, não é uma sequencia. Ele parece um pouco com Sweet Home. As pessoas que jogaram Sweet Home sem dúvida dirão “Oh, isto é como Sweet Home”, mas não queríamos fazer uma cópia exata ou sequencia. Eu queria criar algo mais distinto.
Por que vocês decidiram lançá-lo no Playstation, e não no Sega Saturn?
Simplesmente porque no momento o PS parecia ter o hardware mais apropriado, e o hardware mais capaz de expressar a imagem que queríamos. Só por isso, não havia outras razões.
Há planos de convertê-lo para o Saturn no futuro?
Não há planos no momento.
Você pretende lançar muito mais jogos deste tipo no futuro?
Eu certamente não estou preso a este tipo de jogo em particular, mas eu acho que haverá um monte de jogos lançados no futuro com uma sensação semelhantemente cinemática. Eu pretendo, sim, fazer muito mais jogos como este no futuro, mas não estou dizendo que este será o único tipo de jogo que estaremos fazendo.
Já que você mencionou o cinema, há alguns filmes em particular que influenciaram na criação deste jogo?
Você sabe, George Romero fez um filme de zumbi. Chama-se “Amanhecer dos Mortos”. Eu vi quando era criança, e o filme ainda está queimando no meu cérebro. É claro, era só um filme e eu não podia fazer nada para recriá-lo em jogo, mas ele me fez sonhar acordado sobre viver em um mundo realístico no qual zumbis apareceriam. Algo como “e se fosse eu nesta situação? Bem, eu faria isto, e faria aquilo…”.
Eu sonhava acordado assim desde que era pequeno e pensava “já que é um jogo, seria possível recriá-lo?”. É claro que ninguém quer realmente viver em um mundo destes, e ser morto, mas com um jogo é possível satisfazer sua imaginação e sentir como se estivesse realmente vivendo aquilo.
Então foi daí que a ideia surgiu.
Isso mesmo. Na verdade eu tive várias outras ideias, inclusive uma história de fantasmas, mas quando pensei em fazer um jogo a partir daquele filme de zumbi que eu vi quando era criança, sabia que havia chegado lá, eu tinha certeza de que este seria um grande jogo por causa daquele filme.
Biohazard foi muito popular nos EUA e na Europa também, quando estavam desenvolvendo, vocês pensaram também no mercado estrangeiro?
Bem, na verdade não. Eu não pensei no mercado estrangeiro, e por causa disto me disseram que os diálogos do jogo eram muito estranhos (risos). Eu ouvi muito isto, vou fazer do jeito apropriado da próxima vez.
Nós também achamos um pouco estranhas, as vozes foram gravadas na América?
Não, nós gravamos no Japão.
Mas com dubladores americanos, certo?
Bem, os dubladores eram americanos, mas o tradutor era japonês, então as pessoas começaram a achar que o diálogo não tinha naturalidade. Outra coisa é que a princípio os atores não falavam muito claramente, a versão americana não tem legendas na tela como na versão japonesa. Então na versão em inglês, se você perder de ouvir uma mensagem importante, já era, não há nada que possa fazer para resolver isto, então pedimos para os dubladores falarem bem devagar e claramente, mas isto acabou sendo algo negativo. Como eu sou japonês, não percebi como era estranho para eles falarem bem devagar, eu fiquei perturbado quando finalmente percebi isto muito depois.
Em uma entrevista recente em publicações japonesas, acho que vi menções de muitas outras armas, e até de crianças zumbis em versões iniciais do jogo. Que mudanças foram feitas entre o plano original e a versão final?
Eu mudei completamente o cenário e toda a perspectiva. A princípio, o jogo ia ter uma visão em terceira pessoa e seria feito completamente em polígonos, havia muitas armas e itens que planejamos colocar também, o que gradualmente acabaram sendo cortados. Quando às crianças zumbis, eu pensei que não seria certo usar crianças zumbis. Eu achei moralmente errado ter elementos tão perturbadores quanto explodir cabeças de crianças, mesmo se fossem zumbis, então tirei isto do produto final.
Ninguém te disse para retirar?
Não, ninguém me disse nada, eu simplesmente não achei que as pessoas fossem gostar disso, então naturalmente não estarão em Biohazard 2 também.
É verdade que foi a equipe de Biohazard que desenvolveu o jogo Goofy Troop?
Hmmm… Não, foi só eu, havia outra pessoa da equipe de Biohazard no começo, mas agora eu sou o único.
Que outros jogos você fez?
Apenas Aladdin e Goof Troop. Mas tenho certeza que nenhum destes jogos afetou Biohazard de modo algum, porque eu era o único que trabalhava neles. Na verdade, Biohazard é o primeiro jogo em que a maioria de nossa equipe trabalhou… Cerca de 70% deles, então esta equipe é feita de gente muito jovem, isto é uma coisa boa e também ruim, é uma razão pela qual foi tão difícil.
Você pode nos dizer sobre algumas das dificuldades que teve ao fazer Biohazard?
Se eu começar a falar disto, sei que ficarei deprimido… (risos). Bem, o primeiro problema foi que não conseguíamos nem visualizar a agenda, eu estava preocupado sobre como conseguiríamos expressar graficamente as cenas que eu tinha em mente…
Nossa primeira agenda foi de um ano e meio para dois anos, mas logo que começamos, acabamos passando uma eternidade planejando e fazendo mais testes do que tínhamos feito com outros jogos. Nós tínhamos três grandes obstáculos: ninguém havia trabalhado com o hardware de 32-bit ou com polígonos 3D. E como era um jogo totalmente original, não uma sequência ou tradução, tínhamos que fazer tudo do zero. Depois de tropeçar em nossos testes por tanto tempo, membros da equipe começavam a dizer “isto pode mesmo ser lançado um dia como produto?”, “vamos fechar o projeto e contar tudo como pesquisa”.
E quantas cópias vocês acabaram vendendo?
Até hoje, vendemos cerca de 800.000 cópias só no Japão.
O Biohazard da Capcom foi o jogo mais vendido no formato 32-bit?
Sim, mundialmente já vendeu mais de um milhão e meio de cópias.
Deixe-me começar a faze perguntas sobre Biohazard 2. Ele vai encerrar a série?
Hm, eu não posso dizer… (risos). Se vender bem, eu gostaria de lançar mais alguns. (risos)
Jill e Chris aparecerão na parte 2?
Não.
Você pode nos dizer o que aconteceu com Chris, Barry, Rebecca e Jill no fim da parte um? O Wesker realmente morreu?
Todos os personagens de Biohazard 1 estão no hospital devido a extrema fadiga, se Wesker está morto ou vivo ainda não ficou claro…
Comparado ao original, Biohazard 2 enfatizará no elemento enigma ou no elemento ação?
Ah, será exatamente o mesma coisa de Biohazard 1, com talvez um pouco mais de ênfase em ação.
E quanto à duração do jogo?
Aproximadamente a mesma.
Há mais do que dois personagens jogáveis?
Não, apenas dois.
Como os planos de fundo não eram polígonos em BH1, você pensar em usar planos de fundo poligonais em BH2?
Não, de forma alguma. Planos de fundo poligonais não combinam em nada com o que estamos tentando fazer com Biohazard. Ao usar ângulos de câmera fixos, podemos controlar como as coisas aparecem… Se nós os fizéssemos com polígonos e câmera flutuando livremente, os elementos de medo seriam perdidos. E com isso, fica bem fácil para nós esconder inimigos atrás de cantos e tal. O controle pode ser um pouco ruim, mas acho que é a melhor forma de produzir uma verdadeira sensação de tensão.
Há alguma parte do jogo na qual se pode interagir com o plano de fundo?
Quanto a isto, Biohazard 2 é igual a Biohazard 1. Eu gostaria de fazer um jogo no qual isto fosse possível… mas não para Biohazard.
Vocês vão aumentar os tipos de zumbis e a quantidade de zumbis e de munição?
Sim, nós planejamos adicionar mais de ambos.
Vocês usam Captura de Movimentos para o movimento do personagem?
Não, nós não usamos em BH2, nós tentamos usar em BH1, mas não foi tão bom, a tecnologia era nova demais naquela época. Nós conseguimos criar movimentos melhores com nossos próprios designers, podemos trabalhar mais rápido desta forma. Então, em BH1 e BH2 ainda estamos fazendo à mão.
A que você atribui as vendas fenomenais de Biohazard?
Este é realmente o primeiro jogo no qual as pessoas podem se sentir como um personagem de um filme de terror, e experimentar a sensação de estar realmente em perigo. Acho que isto e os gráficos e som de alta qualidade são provavelmente as razões pelas quais as pessoas compram Biohazard, mais do que a jogabilidade em si. Mas esta é apenas a metade da razão, a outra metade é apenas sorte (risos).
Quais são seus jogos favoritos?
Eu pessoalmente gosto de Derby Stallion (jogo de estratégia de corrida de cavalos da Ascii’s). Eu gostava do Gradius original do Arcade também, agora eu gosto de Mario, Zelda, Final Fantasy, Dragon Quest, realmente todos títulos grandes.
Já que você mencionou Mario e Zelda, o que você pensa sobre o N64?
Eu quero que eles lancem mais jogos (risos).
Há alguma possibilidade de você fazer jogos para o N64?
Eu adoraria!
Observação extra:
Em uma entrevista à revista japonesa Famicom Tsushin, o chefe de desenvolvimento da Capcom, Yoshiki Okamoto, revelou alguns de seus planos futuros (e passados) para a série Biohazard. Antes de a Capcom começar a desenvolver Biohazard 2, eles começaram a produzir Biohazard: Dash, uma semi-sequência de Biohazard. Ela se passava alguns anos depois de Biohazard quando Chris e Jill vão investigar algumas plantas zumbificadas que foram avistadas na área da mansão de Biohazard.
Usando basicamente o mesmo ambiente (atualizado com rachaduras e teias de aranhas), Dash teria poucas locações novas, inimigos diferentes e novas armas. Infelizmente a produção foi interrompida quando a Capcom decidiu fazer Biohazard 2 em vez dele.