Este conteúdo está presente no livro Another Side of Biohazard, lançado no Japão em 2001. Na época, a franquia Resident Evil comemorava 5 anos de existência.
“O Mundo Biohazard de Shinji Mikami”
Sr. Mikami, que tipos de jogos você fez na Capcom antes de Resident Evil?
Eu fiz 4 ou 5 jogos, pouco depois de começar a trabalhar na Capcom, eu fiz um jogo para Gameboy. Gameboy preto e branco. Era um jogo quiz de aventura chamado “HATENA’s Adventure”. Foi meu primeiro trabalho. Meu chefe me disse para “fazer em UM MÊS”, mas levou uns três meses para terminar.
Mas ainda não foi tempo suficiente.
Tempo diferente de hoje. Era como “O que é 1MB?”. Assim. Eu terminei o jogo em si em 2 meses, mas aquele jogo era “o primeiríssimo jogo conectável da Capcom”, então levou cerca de um mês para revisar tudo. Era como se a Capcom estivesse me torturando, quase cancelamos o desenvolvimento.
Qual foi o segundo jogo que você criou?
O segundo se chamava “Roger Rabbit”. Este jogo veio de um filme da Disney, um tipo de ação-aventura e para o Gameboy preto e branco também. Este jogo só vendeu fora do Japão e dentro da Capcom, eu não ganhei muito respeito, porque o jogo não vendeu no Japão. Eu tive que criar tudo sozinho, digo do começo ao fim, TUDO. Levou cinco meses para terminar, e alguns da equipe foram para outro projeto no meio do desenvolvimento, então a equipe de personagem teve que fazer trabalho de plano de fundo, e eu tive que ajudar. Este foi difícil também.
Quando terminou, recebeu algum crédito pelo trabalho dentro da Capcom?
Talvez, um pouco. E depois veio o jogo Formula 1 Race, eu realmente adoro corrida, então estava empolgado para fazê-lo, mas foi cancelado uns oito meses depois. Este foi o meu erro. Porque eu queria QUALIDADE! E foi uma grande pressão para os programadores e o resto da equipe quando a equipe disse “Não sabemos fazer”. Eu disse “Se não pode fazer isto, vou cancelar o projeto inteiro” e ele realmente foi cancelado.
Naquela época, a tecnologia não era suficiente para você?
Talvez. Na verdade, eu era um iniciante. Eu não aprendi o bastante sobre criação de jogos. E depois disto, eu paguei por este erro. O próximo trabalho era portar um jogo de arcade e eu tinha só três meses, porque eu tinha que terminar em três meses para a companhia receber o dinheiro de volta.
Depois você pagou pelo seu erro?
Disney de novo. O jogo do cachorro Pateta. Este levou dez meses, eu acho, jogo de ação-aventura um pouco parecido com “Zelda”. Naquela época, as pessoas já faziam jogo de 8MB ou 12MB para o Super Nintendo, mas este jogo era de 4MB.
A propósito, naquela época, você tinha uma inspiração? Digo, alguém que admirava no meio?
O Sr. Fujiwara.
Ele é o seu mestre?
Sim… Um mestre assustador para mim. Talvez mestre do mal. Ainda não posso competir com ele. Eu nem chego aos pés dele. Ele tem algum tipo de atmosfera diferente das outras pessoas. Ele não é grandalhão e nem bravo, e não levanta a voz também, mas ele é realmente assustador. Seu jeito não é “Sim ou não”, somente “SIM”. Eu aprendi muito com ele, uma grande coisa que eu aprendi com ele é “criar liberdade dentro da restrição”.
Quando você começou a considerar o “realismo dentro do jogo”? Depois que começou a trabalhar com jogos?
Não. Acho que acidentalmente tive esta ideia. Porque realismo na Disney é realmente uma parte pequena. Depois de Pateta foi Aladdin, Disney de novo. No fim das contas, eu fiz três jogos da Disney e finalmente Resident Evil. Acho que eu gosto da Disney, porque minha frustração se acumulou para criar Resident Evil.
Quando a ideia de Resident Evil surgiu?
O Sr. Fujiwara me chamou um dia e me disse para fazer um jogo de terror. E ele queria usar o sistema de jogo do “Sweet Home”. Ele também me disse para “criar algo que valesse a pena ver” e nós ficamos muito empolgados. Quando ele disse “algo que valha a pena ver”, eu pensei finalmente, o momento chegou! Em RE, mesmo o sistema de jogo sendo o mesmo de “Sweet Home”, há poucas semelhanças, mas eu tirei muitas idéias de Sweet Home. Sweet Home não vendeu bem, mas ainda acho que aquele jogo era uma obra de arte.
A história de Resident Evil já estava pronta desde o começo?
Não, a história veio depois do jogo. Sem roteiro, só um quadro rabiscado e anotações. Eu queria fazer uma casa assombrada, o conceito de jogo era o de que você pode curtir o medo em sua casa. A casa assombrada não precisa de roteiro ou história. Minhas ideias no jogo RE não eram como as de um jogo qualquer com uma história, e eu tentei explicar para a Administração da Capcom, mas toda vez que eu era chamado para uma reunião, meu chefe dizia “Quando você vai terminar a história e o roteiro?”. Se fosse o Sr. Fujiwara, ele nunca teria dito algo assim.
É difícil explicar algo às pessoas que nunca entendem.
Toda vez que eles me perguntavam sobre “a história”, eu ficava dizendo a eles “Uma casa assombrada não precisa de história”. Para mim, história é só “melhor do que nada”. Mas eu precisava fazer uma abertura e um final, então fiz esta parte, depois disto eu coloquei um pouco de história e cena, eu queria fazer a história dependendo de como o jogador terminasse o jogo. Então, muito diferente de RE2. Deveria ter criado todos os planos de fundo primeiro e depois ter feito o jogo, mas eu não tinha tanto tempo assim. Eu pensava que se já era difícil criar um jogo em que os jogadores sentissem “O MEDO”, era quase impossível adicionar história ou situações dramáticas.
Como você criou o estilo RE de abrir a porta e entrar em uma nova sala?
Isto veio de “Sweet Home”. Na verdade, primeiro fizemos o jogo focado em fazer o jogador assustado abrir a porta sem cena de porta abrindo. Mas os dados da sala eram muito pesados e quando o Playstation está carregando, cria uma tela preta, e eu estava pensando sobre o que eu podia fazer e me lembro do estilo de Sweet Home. Eu percebi que a cena de abrir a porta também aumentaria a tensão do jogador. Se eu não conhecesse Sweet Home, nunca teria tido esta ideia. Estou feliz porque Sweet Home já existia.
Algumas pessoas dizem que é muito assustador jogar RE, mas eu acho que há muitas fãs de RE.
O marketing da Capcom disse que uns 15%, geralmente mulheres fãs são de 5 a 10%, então acho que está acima da média.
Por que você usou zumbi? E não fantasma?
Quando eu planejava fazer RE, eu ia usar fantasmas, mas se outra companhia fosse fazer um jogo de terror, iria usar fantasmas também, e eu não queria ser um deles. Além disto, eu lembrei do filme “O Exorcista” que eu assisti quando estava no primário, só lembro que me deixou com uma sensação ruim. Se formos fazer um filme, tudo bem, mas um jogo tem que oferecer tensão e libertação. Os jogadores sentem o zumbi se aproximando e experimentam “O MEDO” e pânico do tipo “Não tenho munição suficiente!” e finalmente o mata, dá o alívio – e continua o jogo. Este tipo de ritmo de jogo estava na minha mente. Somente o zumbi caminha até você criando uma sensação de medo. Os jogadores sabem que ele vai te morder e o instinto humano é de fugir de coisas medonhas.
Esta era a ideia básica.
Sim, e depois disto, tivemos que fazer um sistema de jogo em cima disso. Não podíamos criar um jogo do tipo matar zumbis o tempo todo, mas por outro lado, não podíamos criar um jogo onde o jogador fica apenas andando, nada acontece. Então, eu inseri mistério e enigmas no jogo e o jogador pode sentir o medo dentro da jogabilidade.
Houve algum problema para criar o sistema de jogo?
Nós tivemos dificuldades para imaginar como os jogadores começariam o caminho. Algumas pessoas queriam começar do 1º andar, mas talvez outras pessoas quisessem começar do 2º andar. Então tivemos que fazer o personagem dizer: “Vamos começar no 1º andar”.
Esta era a abertura de Resident Evil.
Sim, o jogador escuta um som de tiro, fica um pouco tenso e “vamos começar”. Parece um jeito simples, mas eu não conseguia ter outras ideias. Em RE, eu não coloquei muita essência de “surpresa”, eu aprendi isto com o filme “Psicose”, você não precisa fazer o jogo inteiro ter cenas chocantes, apenas colocar algumas cenas simbólicas entrarem na mente do jogador para ampliar o medo.
Não é cheio de medo, é preciso formar a ideia. Acho que esta ideia é especial, por isso as pessoas amam Resident Evil.
Eu percebi quando criei RE, que “criatividade faz parte de reduzir”. Acho que as pessoas que entendem esta ideia também entendem o real significado de criatividade. Sempre as ideias em sua cabeça são grandes, e nós temos que colocar a ideia grande dentro de um único jogo, que tem uma quantidade limitada de capacidade. Então, temos que pegar os pontos importantes da ideia e apresentá-los aos usuários. Em nosso trabalho, só fazemos jogos que gostamos, o ponto é quantas pessoas vão ter o mesmo gosto que eu tive. Acho que, hoje em dia, muitos criadores jovens de jogos começam com a idéia de “Não sei fazer isso” ou “O jogador não vai gostar desta ideia”. Se começar assim, não vai poder fazer coisas diferenciadas.
Seus colegas de equipe mais jovens entendem seu ponto de vista?
Eu sempre digo a eles para não criarem um jogo para ser popular, apenas conseguir alguns fãs alucinados que sentem que “nós vivemos por este jogo”. Temos que fazer o jogo sem esconder os pontos fracos, fazer as pessoas se apaixonarem é um caminho cego.
Quem deu o nome de “Biohazard”?
Um dos membros da equipe de plano de fundo.
E você pensou “É isso!”?
Não, nós tínhamos umas 100 ou 200 ideias para o título do jogo, e eu queria colocar um título curto como “Psicose”. Mas que combinasse com a história, então decidimos chamar o jogo de “Biohazard”.
Você não quer falar sobre isto, mas posso perguntar sobre o filme de abertura de Resident Evil?
Bem… Nós filmamos aquilo às margens do Rio Tama no Japão, no começo do filme, Jill faz uma expressão parecendo que está assustada. Mas não era isso. A atriz de Jill era apenas uma estudante de colegial naquela época e tinha que correr por aí no meio da noite tomando picadas de mosquitos, então ela fez aquela cara de “quero ir para casa”. Ela era apenas uma criança imatura. Aquela gravação barata foi totalmente erro meu. Eu não tinha tempo e dinheiro suficientes, além disto, peguei estes atores apenas pela aparência. Agora acho que devia ter escolhido pelo desempenho, mas… tarde demais agora.
Você pode nos contar seus comentários, como produtor geral, de RE2 para RECV?
Primeiramente, o nível de medo está caindo. Acho que o nível de medo tem que aumentar, porque os jogadores se acostumam com os jogos, RE tinha um medo novo, mas o 3 já está ficando enferrujado. Acho que quando fizemos RE2, a companhia queria vender 2 milhões de cópias, então tivemos que fazê-lo de modo popular, e também o Hideki Kamiya, diretor do jogo, não gostava de terror (é difícil fazer algo que você não gosta). Estes dois pontos fizeram RE seguir um caminho diferente da primeira ideia.
Aqueles fãs que amam RE fizeram RE2 ser um jogo que vendeu milhões de cópias, mas alguns dos fãs ficaram decepcionados pelo modo como é RE2. Então, fizemos RE1.9 para voltar à ideia básica, mas este jogo mudou de nome para RE3, três meses antes do lançamento. Eu ainda não quero chamar o jogo de RE3.
Um jogo é feito da comunicação entre jogadores e criadores. Então eu quero deixar parte das ideias para que os jogadores possam sentir “Isto é RE, isto é o que queremos”. Eu quero manter os fãs que realmente entendem o que é RE. Se perdermos os fãs de verdade e criamos o jogo, isto é apenas “fazer dinheiro”. Somos pessoas que fazemos entretenimento, mas não homens de negócios, nós somos criadores. Eu não quero me esquecer disto. Eu acho que o verdadeiro RE2 é RECV, este ainda tem a essência de RE.
Você pode nos contar sobre RE4?
Eu estou pensando em uma “mudança total de modelo” em RE4.
Link original: ReHorror, atual Rely On Horror