Tradução | Entrevista com Kamiya e Sugimura sobre Resident Evil 2

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Resident Evil 2 (1998)

O site Shmuplations é um site de traduções de entrevistas, trazendo informações raríssimas e preciosas que estavam guardadas em conteúdos no idioma japonês. Na entrevista abaixo, retirada da revista nipônica “The Playstation” de Junho/1998, o diretor Hideki Kamiya e o roteirista profissional Noboru Sugimura (1948-2005) falam sobre Resident Evil 2 e os bastidores da criação do jogo.

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Hideki Kamiya e Noboru Sugimura falam de RE2:

Já se passaram 5 meses desde o lançamento de Resident Evil. Podemos começar com cada um explicando seu papel no desenvolvimento?

Kamiya: Eu fui o diretor de Resident Evil 2. No primeiro jogo, eu trabalhei como planejador, fazendo edição.

Sugimura: Eu entrei no meio do desenvolvimento de Resident Evil 2. Como roteirista profissional, me juntei ao Kamiya para criar os enredos. Isto me lembra que – esta é a mesma sala onde nos reuníamos para ter nossas discussões secretas. (risos)

Uma das maiores partes de Resident Evil 2 foi a introdução do novo sistema “zapping”.

Kamiya: No primeiro Resident Evil, Barry só aparecia ao jogar com a Jill, e Rebecca aparecia ao jogar com Chris. Os dois cenários são histórias completamente independentes. Contudo, no final do desenvolvimento, a verdade é que nós já pensávamos sobre ter uma história que mostra múltiplas perspectivas. Quando começamos a criar Resident Evil 2, não tínhamos um sistema assim. Em certo ponto, nós descartamos tudo o que havíamos feito e voltamos à mesa de criação, e foi aí que o Sistema de Zapping foi adicionado.

Sugimura fez a equipe de desenvolvimento de RE2 recriar tudo!Quando você diz que descartou tudo, presumo que esteja falando do lendário Resident Evil 1.5, que foi falado bem rapidamente nas revistas de videogames no ano passado.

Kamiya: Pedimos ao Sugimura, um roteirista profissional, para dar uma olhada no enredo completo do 1.5. Este foi, na verdade, seu primeiro contato com o desenvolvimento. De qualquer forma, quando ele leu, ele disse “vocês provavelmente deveriam reescrever tudo”. Resident Evil 1.5 já estava cerca de 70% completo na época… (risos)

Quais eram alguns dos problemas específicos que você viu na história/enredo do 1.5. Sugimura?

Sugimura: Era tudo muito realista. A atmosfera sinistra do primeiro jogo, representada em coisas como a Mansão Spencer em si, a sala com as armaduras, itens-chave como as joias e as gemas… tudo isso tinha sido removido. A delegacia também, tinha sido modificada para um prédio muito moderno. Por causa disso, tudo parecia muito moderno e estranhamente sem graça. “Isto não tem cara de Resident Evil”… É claro que apagar tudo e voltar à estaca zero em um projeto que já está 70% pronto não é fácil, e neste sentido, eu acho que foi bem corajoso por parte dos desenvolvedores.

Kamiya: Na verdade, também havia bastante empolgação de todos quando decidimos refazer tudo: “desta vez vamos fazer tudo certo!”. Como resultado, tivemos que acelerar o desenvolvimento depois disso.

Sugimura: Depois que foi decidido refazer tudo, eu tive uma reunião com o Kamiya e foi aí que realmente estabelecemos a ideia do sistema Zapping, eu acho. Porém, por um tempo a gente não sabia como fazer funcionar. Aí eu sugeri se seria possível usar os dados do memory card para conectar as histórias, de onde começaríamos. Para dizer a verdade, eu na verdade era contra o sistema Zapping. Eu sabia que daria muito trabalho juntar múltiplas narrativas… mas o Kamiya não recuou. “Isto é o que eu quero fazer em Resident Evil 2”.

Kamiya: Eu ficava tipo, “Vamos fazer, vamos fazer!” e o Sugimura acabou cedendo, “Tá bom, vamos”.

Sugimura: Ei, agora você está exagerando. (risos) Mas é verdade – Kamiya é o tipo que, assim que tem uma ideia clara do que quer fazer, vai insistir até conseguir. Agora que eu pensei nisso, além do Zapping, as cenas com o Tyrant também foram adicionadas por insistência dele.

Kamiya: Originalmente não tínhamos planos de trazer o Tyrant de volta, já que ele foi o boss final do primeiro jogo. Eu dizia para fazermos um Tyrant perfeito, invencível desta vez. (risos)

Sugimura: Mas depois que conversamos, percebemos que fazer o Tyrant ser tão forte deixaria sem sentido a existência do G-Virus… para resolver o problema, tivemos a ideia do Tyrant tendo a missão de obter o G-Virus. Além disso, uma das consequência de fazer os jogadores passarem pelos mesmos cenários duas vezes era que, na segunda vez, eles estariam acostumados e seria fácil demais. Por esta razão decidimos que o Tyrant iria aparecer no Cenário B, como forma de aumentar a dificuldade.

Por que vocês não trouxeram Chris e Jill de volta em Resident Evil 2?

Kamiya: Bom, diferentemente da série Street Fighter II, a série Resident Evil não tem um monte de coisas de personagens acontecendo. Sendo assim, pensamos em adicionar alguns novos personagens na sequência.

Sugimura: O primeiro Resident Evil era um jogo apenas de sobrevivência/fuga. A motivação de Jill e Chris eram simplesmente fugir da Mansão Spencer infestada de zumbis, então eles não tiveram caracterização nem motivação independente. Isto nos dificultou para lhes dar grandes arcos dramáticos. É por isto que para a sequência nós decidimos criar novos personagens, com motivações adequadas para o enredo dramático, como procurar seu irmão, ou um sub-enredo de romance.

Kamiya: Os personagens mudaram bastante entre o 1.5 e o 2 também. Por exemplo, temos o Marvin, o policial que você encontra na delegacia. Ele é só um personagem secundário que, após uma breve conversa com o protagonista, se torna um zumbi. Mas originalmente nós planejávamos usá-lo muito mais. Ele seria um personagem de suporte como Ada e Sherry, que trabalharia com você no ato final. Ada, por outro lado, seria originalmente uma pesquisadora e usava um jaleco de laboratório. Ela não era a espiã bacana que se tornou. (risos)

Sugimura fez a equipe de desenvolvimento de RE2 recriar tudo!Vocês têm outras histórias como esta para compartilhar, do “Resident Evil que quase aconteceu”?

Sugimura: Bom, tem a questão do uniforme do Leon. O Leon está com seu uniforme do R.P.D. desde o começo do jogo, mas originalmente ele estaria com roupa de civil. Haveria uma cena onde ele fala com seu superior Marvin na delegacia, e aí ele trocaria de roupa. É verdade que com Raccoon City destruída, a polícia não estaria ativamente em ofício, então não haveria necessidade para Leon trocar de roupa, mas queríamos mostrar sua determinação em proteger tanto a cidade quanto seus princípios, ao fazê-lo vestir seu uniforme. Era uma cena com muito significado. Infelizmente, devido a problemas com CG, tivemos que cortar.

Parece que muitas cenas tiveram que ser cortadas, por várias razões. Parece que dariam até um Resident Evil totalmente novo.

Sugimura: Originalmente, no primeiro cenário do jogo, você começaria preso na delegacia que estava sob um cerco. Contudo, nós queríamos transmitir aos jogadores o terror de uma cidade tomada por zumbis, então mudamos a abertura para uma em que você está no meio da cidade. Mas no meio do jogo, planejamos outro cenário onde você tem que voltar para a cidade. Só que o jogo estava ficando muito longo, então tivemos que cortar também.

O que acontecia neste cenário para fazer o jogador voltar pras ruas?

Sugimura: Logo após começar o jogo, e até chegar na delegacia, suas armas são bem fracas. O jogador não tem escolha senão se refugiar na delegacia, como questão de sobrevivência. No entanto, depois de passar pela delegacia, seu personagem estaria melhor equipado. Então, agora armado e pronto, o personagem poderia seguir pela cidade, matando zumbis no caminho para o sistema de esgotos. Nesta versão do jogo, a delegacia e os esgotos não eram diretamente conectados.

Agora que você falou disso, havia algo esquisito naquela garagem subterrânea na delegacia… parecia que algo ia rolar ali.

Kamiya: Bom, nunca planejamos nada do tipo entrar em uma viatura e dirigir, mas durante o planejamento tivemos várias ideias de como usar aquele local.

Sugimura: Nós até pensamos em um cenário onde você revisitaria as ruínas da Mansão Spencer antes de sair da área de Raccoon City. (risos) Tenho certeza que muitas pessoas que jogaram o primeiro Resident Evil pensam sobre o que aconteceu com aquele lugar… e eu queria fazer algo com isso. Haveria um monstro que teria ficado vivo nas ruínas do hall e da sala de jantar. Chegamos até a desenhar as artes conceituais do local, mas…

Os outros personagens além dos protagonistas têm personalidades fortes também. O chefe da polícia Brian Irons, em particular, era bem colorido.

Kamiya: Ele era bem diferente no começo também. Ele seria originalmente um chefe de polícia normal. Sua aparência gorducha era a mesma, mas ele usava um uniforme adequado, falava como um policial normal etc.

Sugimura: Fui eu que criei a personalidade nefasta dele. Assim que mudamos o prédio da delegacia de algo moderno para o museu de arte, alguém na equipe falou que seria esquisito se tivessem medalhões pelo local. Então eu disse “Bem, é só a gente fazer o chefe de polícia ser um esquisitão, então!”, e o Irons se tornou o que é. (risos) Eu criei uma sala escondida, e a ideia era de que ele vinha recebendo propinas da Umbrella – um chefe de polícia com um sorriso insano no rosto… A princípio as pessoas falaram, “Isto não é muito realista”, mas eu respondi que a realidade depende da persuasão e da crença, então contanto que tudo fosse consistente, daria uma aparência real.

Kamiya: Pra ser sincero, na primeira vez que ouvi que o Sugimura queria transformar o Irons num esquisitão, eu era contra… mas conforme o desenvolvimento progredia, toda a equipe começou a gostar. (risos) Um exemplo são as tochas no corredor que levam para a sala secreta dele. A pessoa que fez me disse “O chefe usa para acender o fogo quando faz seus rituais!”. Eles começaram a criar vários detalhes absurdos. (risos)

O nome do chefe de polícia na verdade aparece também no primeiro Resident Evil, não?

Kamiya: Sim, na tela de seleção do personagem, nas carteirinhas. A assinatura dele está lá. Eu queria usar algo onde o “-ian” soasse de forma dupla, e “Brian Irons” funcionou perfeitamente. Eu não achei que fosse se tornar algo além de uma assinatura, eu adicionei ali casualmente.

Sugimura: Eu não sabia disso, mas quando o desenvolvimento de Resident Evil 2 começou o chefe de polícia na verdade se chamava Gordon. Mas depois lembraram que ele já tinha um nome. (risos) Então voltamos ao nome Irons para conectar com o primeiro jogo.

Teve mais alguma coisa, como as tochas que você citou, que a equipe adicionou como piadas ou easter-eggs?

Kamiya: Supostamente uma imagem do meu rosto estaria escondido em algum lugar, mas não faço ideia de onde. (risos) Acho que nem deve estar no jogo em si. Além disso, se você ler as placas da cidade ao contrário, são os nomes dos desenvolvedores e de personagens de Street Fighter II. O anúncio do relógio também foi uma brincadeira, “este é o relógio mais vendido do mundo”. Atrás do armário onde está a submetralhadora e a bolsa extra, tem um poster de um dos personagens populares de anime. E quando a janela da loja de armas quebra, dá pra ver os caracteres 兼人 (“Kaneto”) escritos do lado do carro estacionado lá fora.

Oh, eu sempre achei que eram 無人 (“mujin”, sem nome/vazio).

Kamiya: Kaneto é o nome do dono da loja de armas, e está escrito no carro dele. Havia algo assim também no RE1 também, o pôster da mulher no laboratório a princípio era uma foto da Chun-Li. Mas eu achei que seria dissonante demais do mundo de Resident Evil, então tive que remover. Mas sim, tenho certeza que tem muitos detalhes escondidos que nem eu sei…

Em Resident Evil 1 e 2, há uma grande variedade de armas, mas não há armas brancas. Acho que seria interessante adicionar algumas… que tal?

Kamiya: Na verdade, quando estávamos criando o 1.5, haveria um cano de ferro…

Sugimura: Acho que espaço e distância são muito importantes em Resident Evil. É por isso que não adicionamos armas brancas. Queremos que os jogadores sintam medo e pavor, com o perigo a cada esquina – mesmo sem poder ver na tela, dá pra ouvir os passos do Licker ou o zumbi gemendo… devo fugir ou lutar? Mas se dermos um cano ao jogador, que possa ser usado sem estragar, então daremos uma razão ao jogador para abordar os zumbis! E assim o jogador não terá medo mais. O mundo de Resident Evil deve sempre ser fiel à ideia de que abordar o inimigo = perigo. E mesmo se você escolher lutar, corre o risco de gastar sua preciosa munição…

Sugimura fez a equipe de desenvolvimento de RE2 recriar tudo!

Certo, vocês não queriam um sistema como em RPGs, onde o jogador tenta de propósito matar inimigos por causa de itens e ouro.

Sugimura: É por isto que eu também era contra a ideia de fazer o Tyrant deixar munição após ser derrotado. Não devemos dar aos jogadores razão para enfrentar os inimigos. Ao contrário de muitos outros jogos, os inimigos em Resident Evil não deixam ouro ou pontos de experiência, e eu acho que esta foi a chave para o seu sucesso.

Kamiya: Eu também não queria que o Tyrant deixasse munição. Porém, derrotá-lo exige muita munição, então isto foi colocado em consideração aos iniciantes. Encontrar o equilíbrio da dificuldade certa é difícil. Pessoalmente, eu acho que Resident Evil 2 era muito fácil. Mas quanto se leva novos jogadores em conta, acho que era a coisa certa a se fazer.

Sugimura: Isto provavelmente continuará sendo um problema para nós. Se quisermos preservar a verdadeira essência de Resident Evil, não poderemos continuar “abrindo os portões” para novos jogadores assim.

No primeiro Resident Evil, o roteiro e a história foram escritos por desenvolvedores internos da Capcom, mas para a sequências vocês contrataram o Sugimura, um roteirista profissional. Qual é o sentido por trás desta decisão?

Kamiya: Acho muito significante. Trabalhar com um profissional também me fez perceber a imaturidade de minhas próprias habilidades. Espero que possamos continuar tendo ajuda de profissionais assim, para fazer nossos jogos serem cada vez melhores.

Sugimura: Antes de entrar pro desenvolvimento, não havia um planejamento oficial dos diferentes cenários. Portanto, era muito difícil entender o roteiro e cada desenvolvedor tinha a sua própria ideia do que estava acontecendo, sem um consenso compartilhado. Então eu fiz a equipe se unir e criar um documento único no qual pudessem se apoiar. Se não fizessem isso, o jogo não ia ficar bom.

A tendência dos jogos usarem cinematics para passar a história vai continuar, eu acho, mas estas cinematics precisam envolver o jogador em um nível emocional, do jeito que os filmes fazem. Tem muitas equipes de desenvolvimento na Capcom me pedindo para escrever roteiros para eles agora. Eles buscam algo do mesmo nível de qualidade dos filmes. Acho que seria incrível se a indústria de jogos conseguisse estabilizar um sistema onde trabalhos no nível de filmes são criados, jogos que são criados a partir de roteiros.

Sem dúvidas, CGs estão cada vez melhores, e existe agora muito foco da indústria dos jogos em usar recursos visuais para conduzir a narrativa. Mas você ainda sente que uma abordagem textual – ou seja, com um roteiro – seja importante na hora de criar um bom jogo?

Sugimura: O que o diretor e quem mais estiver no comando pensam deve ser passado ao resto da equipe… Em outras palavras, você tem que ter boa comunicação. Como forma de facilitar isto, acho que desenvolvedores estão reconsiderando a importância de um documento central, como um roteiro escrito. No futuro, acho que está será uma mentalidade necessária para a indústria: de que estamos todo trabalhando juntos no mesmo projeto, seguindo na mesma direção.

Por fim, Kamiya, conte-nos algo sobre o próximo Resident Evil.

Kamiya: Estou pensando em, no próximo jogo, trocarmos o roteirista por alguém mais legal. (risos)

Sugimura: Poxa, Kamiya! (risos)

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